Meu Primeiro Verão (2020), Katie Found


“O amor entre duas garotas de forma pura, ingênua e questionável” 

Duda Martins 

Grace e Claudia são praticamente opostas. Uma desbrava o “mundo” com sua bicicleta rosa cheia de decorações, enquanto a outra nunca saiu da sua fazenda em toda a vida. Com 16 anos, Claudia crê fielmente no que sua mãe diz sobre os monstros (seres humanos) que vivem do lado de fora. Mesmo com a perda da mãe logo no início do filme, a garota continua vivendo isolada e com medo de tudo. Sem saber conviver socialmente, frágil, com uma aparência que se assemelha a um animal assustado. Grace, pelo contrário, chega com seu tutu esvoaçante, pulseiras coloridas e os cabelos presos. Com uma mãe um tanto despreocupada, a garota anda por aí com uma mochila mas não parece ter um destino final. As garotas são quase opostas, como representações do antigo e contemporâneo. 

Dessa forma, não era esperada a conexão que seria criada entre as garotas logo de início. Como o longa se inicia a partir do testemunho de Grace à morte da mãe de Claudia, a garota da bicicleta tenta encontrar a menina que ela havia visto no lago no mesmo dia. O encontro entre as duas é quase um embate de mundos, Grace se preocupa em não assustar Claudia, que por sua parte já está bem assustada. A partir disso, o companheirismo entre as meninas começa com um cuidado da garota aventureira sobre a garota isolada e uma necessidade da mesma de descobrir o mundo e o amor. Com a narração de Claudia em alguns momentos, partes do filme são subjetivas e complicadas de se entender. Fica evidente que a mãe da garota se jogou no lago voluntariamente e de acordo com algumas frases como “vamos ser livres e leves, sem dor” pode se interpretar que um suícidio duplo foi planejado e a filha não conseguiu cumprir a sua parte. Ainda assim, é complicado entender como a vida de Claudia se desenrolou antes do filme. 

Grace também não possui a vida perfeita. Mesmo com sua imagem alegre, disposta a ajudar e suas roupas coloridíssimas, as cenas da garota próximo a mãe e o padrasto mostram uma certa negligência da parte dos adultos. A preocupação surge quando a polícia aparece para questionar sobre a morte no lago, mas em outras cenas Grace demora horas para chegar em casa e comenta sobre a não-importância que a mãe dá a ela. O filme é curto para a sua proposta, com menos de uma hora e meia, cenas das meninas brincando no lago, fazendo pulseiras coloridas, lendo livros e pintando lençóis ocupam um espaço que poderia ser utilizado para o melhor desenvolvimento da narrativa e de conflitos. Muitas questões ficam no ar enquanto Grace e Claudia se envolvem em uma bolha de juventude isenta de responsabilidades com uma ideia de pureza. 

“Meu Primeiro Verão” descreve uma história de amor que encontra o inocente e o contemporâneo em meio a uma idealização do que é ser criança. Mesmo com 16 anos, as atitudes das personagens não condizem com uma adolescência moderna, mas sim com uma infância feminina com brincadeiras infantis até demais. Os beijos entre as meninas são parte do descobrimento do que é o amor para elas, junto a um companheirismo e uma necessidade de cuidar e apoiar a outra. Algumas partes da narrativa parecem surreais ao olhar do público

analista, como é possível uma mulher ter uma filha que ninguém conhece? Como é possível a polícia demorar tanto tempo para descobrir sobre Claudia? Como Grace manteve esse segredo e não compartilhou com ninguém sobre Claudia? Para mim, a resposta é simples, algumas pontas desse filme não foram feitas para serem compreendidas, apenas admiradas e questionadas. A diretora Katie Found transmite o amor entre meninas de forma imaginativa e ingênua, goste quem gostar.

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“My First Summer” é um filme australiano, lançado em 2020, com direção  e roteiro de Katie Found. A narrativa é centrada em duas jovens de 16 anos, Claudia (Markella Kavenagh) e Grace (Maiah Stewardson). Os acontecimentos se passam, principalmente, na remota propriedade onde Claudia reside. O filme  tem uma aura rural, pela ausência de tecnologias contemporâneas e presença  paisagens naturais que cercam a casa de Claudia. A subjetividade por trás da  obra é um ponto muito importante, pois, Katie produziu “Meu Primeiro Verão” com base em sua experiencia negativa com narrativas queer, na adolescência.  O desejo da autora era “fazer um filme carinhoso e que tivesse um olhar  feminino, queer e empoderador.” Found diz que sua obra “É uma carta de amor  a muitas conexões queer.” 

No filme, a personagem Claudia perde sua mãe Veronica e passa a viver com seu cachorro, no lugar onde cresceu – uma propriedade isolada, próxima à  uma represa. O mundo de Claudia é transformado com a chegada de Grace – uma garota radiante, com desejo de ser livre. Claudia viveu seus 16 anos reclusa  em seu ambiente familiar, pois sua mãe queria protegê-la da maldade das  pessoas. Grace tem muito mais conhecimento da diversidade do mundo, percorrendo várias paisagens com sua bike, mas, sua casa é, certamente, o  lugar de que menos gosta.  

O contato entre as duas garotas é libertador para ambas e um novo  mundo/lugar é construído – uma dimensão de amor, amizade, descobertas,  desejo etc. A paixão entre Grace e Claudia faz com que o único lugar em que  desejam estar é na companhia uma da outra – Grace se dispõe a deixar sua  família para viver com seu grande amor, e Claudia abre os portões de seu  coração para a entrada de outra mulher na sua vida. O romance das jovens traz a esperança de que é possível viver o amor, mesmo em um mundo tão cruel e  trágico.  

O último ato de “My First Summer” é magistral em demonstrar a  inconstância da vida, concomitantemente a possibilidade de ser feliz, amar e ter 

esperança. A síntese do filme é: amor não é uma utopia, mas uma realidade  possível à todas as pessoas. 

Referências: 

MY First Summer. Direção: Katie Found. Australia: Noise & Light, 2020. 1 filme  (1h20min).  

PÉCORA, Luísa. Katie Found sobre “Meu Primeiro Verão”: “É uma carta de amor  às conexões queer”. Mulher no Cinema. 30 ago. 2021. Disponível em:  https://mulhernocinema.com/entrevistas/katie-found-sobre-meu-primeiro-verao fiz-uma-carta-de-amor-as-conexoes-queer/. Acesso em: 15 set. 2024.


Pedro Henrique Ribeiro Gonçalves
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Quando Verônica Fox, a matriarca de um lar repleto de amor, carinho e consolo, falece, deixando um vazio que nada nem ninguém pode preencher, sua filha, Cláudia, é dominada pela culpa de não ter conseguido salvar a mãe e pela tristeza de saber que nada pode trazê-la de volta. Ao longo de sua jornada, Cláudia conhece Grace, por quem se apaixona. Juntas, elas passam a enxergar a vida sob uma nova perspectiva. Esse é o enredo central de My First Summer, o primeiro longa-metragem da diretora australiana Katie Found. Lançado em 2020, o filme explora a atmosfera de sofrimento, transformação e amor vividos pela protagonista. 

A perda de um membro da família é sempre um acontecimento que deixa uma ferida terrível em quem fica. Quando se trata de uma figura ligada ao afeto e ao cuidado, essa dor pode se tornar ainda mais insuportável. Apesar dos riscos de abordar um tema tão delicado, My First Summer decide explorar profundamente esse caminho e acerta em cheio. A obra é uma das poucas no cinema que conseguem tratar tão bem de um tema extremamente difícil e delicado, que é a morte e seus traumas. A narrativa sensível consegue transportar ao mesmo tempo lágrimas e sorrisos ao coração de quem o assiste. Não é surpreendente que em 2021 foi premiado nas categorias melhor direção e melhor obra de jovem cineasta no Festival Internacional de Cinema Lésbico e Gay de Milão. 

Embora o filme seja uma produção independente com orçamento reduzido, essa limitação permite — ou obriga, dependendo do ponto de vista — uma abordagem criativa e artística em relação ao uso dos elementos naturais disponíveis. Nesse sentido, a direção de fotografia aproveita a iluminação e as paisagens rurais da Austrália, região onde o longa foi gravado, de maneira muito eficaz. E no quesito natureza-personalidade, os encaixes são perfeitos. O colorido do mundo de Grace é realçado pela vivacidade das flores e pomares, pelos tons pastéis de suas roupas e pelos raios de sol. Em contraste, a timidez e ansiedade que tomam conta de Cláudia são retratadas em cenas de correria e respiração ofegante entre árvores de galhos secos e na represa de água escura, que trazem o tom da melancolia que a atinge. 

O romance LGBTQIAPN+ entre Grace e Cláudia é um dos pontos centrais da narrativa. Assim como o processo de superação de traumas, a relação entre as duas é abordada de maneira sensível e íntima. A trama explora a ideia de que enfrentar um

choque é essencial, mas pode ir além e se enriquece com o apoio e a presença de alguém especial com quem se pode compartilhar bons momentos, fazer promessas de dedinho e redescobrir as cores da vida. Dessa forma, My First Summer mostra que a conexão entre duas pessoas não apenas ajuda a enfrentar as feridas internas, mas também que o verdadeiro poder de cura vem do amor genuíno.


ROBSON RIBEIRO DE SOUZA

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Para a aula de crítica cinematográfica, fomos convidados a assistir ao filme “Meu Primeiro Verão”. O filme é dirigido por Katie Found e mostra a história de Claudia, que enfrenta o luto pela morte da mãe, mostrando suas fases de superação e autoconhecimento. 

O encontro de Claudia com Grace é um momento de transformação que nos faz pensar no poder que outra pessoa pode ter em nossa vida, especialmente quando estamos mais vulneráveis. Como uma força vital, Grace entra na vida de Claudia, trazendo cor a um mundo que estava dominado por sombras para a jovem. 

O filme lida com essa relação de maneira quase poética, o que pode incomodar os espectadores que esperavam uma história mais convencional. No entanto, é essa lentidão que permite que o filme respire e que os sentimentos se desenvolvam naturalmente, sem diálogos ou explicações forçadas. 

Além disso, a produção aborda o amor e a dor de uma maneira profundamente filosófica. Claudia tem um luto quase evidente, e sua relação com Grace é uma resposta discreta a esse vazio. Este não é apenas um romance para adolescentes; é sobre duas almas que se encontram em um momento específico, quando o amor genuíno serve como um remédio para a dor. 

A câmera se concentra frequentemente em detalhes sutis, como trocas de olhares ou toques suaves de mãos, nos lembrando que os momentos mais significativos da vida muitas vezes passam sem palavras e que as emoções mais profundas não podem ser expressas, apenas sentidas. 

Mas esse tom introspectivo e quase contemplativo pode ser difícil. Às vezes, o filme é lento, o que demanda muita paciência. A história de Claudia e Grace pode parecer previsível para aqueles que esperam uma história cheia de imprevistos.O filme não fala sobre o que acontecerá, mas sobre como as coisas acontecem: como uma pessoa se cura na presença de outra pessoa, como o amor surge em meio à dor. 

Ao final, "Meu Primeiro Verão" deixa uma sensação tranquila, como se tivéssemos acompanhado um trecho íntimo da vida de duas pessoas que descobriram significado uma na outra por um breve momento. É um filme que fala sobre as coisas mais básicas da vida, como a necessidade de se conectar com outras pessoas, de se sentir vivo e como essas conexões podem nos salvar de nós mesmos em algumas situações.

Marina Soares da Silva 

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MEU PRIMEIRO VERÃO: UMA BRISA DE AR FRESCO NO CINEMA QUEER Ana Vitória Farion1 

Não é segredo para um espectador atento que, nas últimas décadas, vivemos uma  mudança radical no modo como a identidade queer é representada no audiovisual. Em um  ritmo turbulento e inconstante, presenciamos uma verdadeira transformação no modo como  personagens LGBT+ são representados e, acima de tudo, nas narrativas dedicadas a esses.  Mais e mais, a população queer deixou de ser uma caricatura criada para divertir a ‘família  tradicional’ - geralmente enquanto personagens secundários, em um padrão muito semelhante  ao do Token Black Friend, ou “o amigo negro ideal/simbólo” - cuja única razão de existencia  é sustentar estereótipos em prol do humor ou mimetizar uma dita representatividade.  

De mesmo modo, podemos pensar que lentamente estamos aprendendo a superar  também a narrativa do romance trágico e pesaroso que, por um bom tempo, pareceu ser a  única fonte de representações mais “realistas” das experiências queer. Até pouco tempo atrás,  se perguntássemos a um público médio qual o primeiro título que vem à mente quando  pensamos em representação de personagens LGBT+ no cinema e na televisão, muitas das  respostas certamente se voltariam para obras como O Segredo de Brokeback Mountain (2005)  do diretor taiwanês Ang Lee ou, no campo dos relacionamentos sáficos, Azul é a Cor Mais  Quente (2013), de Abdellatif Kechiche. Considerado o marco que ambas as obras deixaram  para o cinema e a cultura pop como um todo, bem como sua objetiva qualidade técnica -  assim como as polêmicas de que ambas estão cercadas -, não podemos por isso ignorar que  nenhuma dessas obras estabelece um panorama alegre ou esperançoso para relações  homoafetivas. Cenário que, felizmente, parecemos superar em ritmo cada vez mais animador.  

Entretanto, acima de tudo, existe talvez um fator ainda mais auspicioso que encapsula  as transformações recentes no cinema queer - a possibilidade de contar narrativas LGBT+  onde ser queer torna-se um elemento da jornada das personagens, mas não a plena razão de  sua existência. Neste contexto, Meu Primeiro Verão, da diretora e roteirista australiana Katie  Found, é uma lufada de ar fresco, que em sua relativamente curta duração é capaz de contar  uma história cativante e comovente, medindo de maneira quase exemplar quando fazer o  espectador prender o fôlego, mas também quando deixá-lo respirar.  

O filme, que narra o desenvolvimento da relação entre as jovens Cláudia e Grace ao  longo de um verão - em meio aos dramas de uma realidade menos que perfeita -, tem em si  1 Graduanda em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

um frescor especial que parece típico do gênero de ‘amadurecimento’ (do inglês,  “Coming-of-age”). Tal energia também pode ser atribuída ao fato de este ser o primeiro  trabalho de direção de Found, cujo desempenho com Meu Primeiro Verão é excepcional. Do  ritmo narrativo à cinematografia e o uso de cores, o longa é cativante e sabe manter o  interesse do espectador do início ao fim, dosando drama e romance na medida exata para criar  uma obra, ao mesmo tempo, melancólica e esperançosa. Saber abordar temáticas sensíveis,  dando a elas o devido peso e cuidado sem pesar a mão - quando esse não é o objetivo  pretendido - é uma tarefa árdua, mas para a qual Found parece ter encontrado o balanço. 

Markella Kavenagh, que dá vida a reclusa e receosa Cláudia, e Maiah Stewardson, que  interpreta a energética e expressiva Grace, estão espetaculares em seus papeis. Markella, em  especial, faz um trabalho excepcional na construção de Claudia, em todas as suas nuances e  sutilezas. A química entre as atrizes é convincente e orgânica, permitindo que a afetividade  desenvolvida pelas personagens seja recebida pelo espectador de maneira muito natural,  através de olhares e pequenos gestos mais do que por diálogos mais expositivos. O fato de  ambas as atrizes serem significativamente mais velhas que suas personagens, por sua vez, -  Stewardson com 22 anos quando do lançamento do filme, e Kavenagh com 20 - é também  insignificante diante dos resultados: um conjunto do trabalho das atrizes com a competência  da caracterização e do figurino. Apesar de não tão significativos em tempo de tela, os demais  membros do - pequeno - elenco, ainda que não necessariamente destacados, são competentes,  oferecendo o esperado para seus papeis de modo convincente. Edwina Wren, em especial,  trouxe à vida a autora Veronica Fox, mãe de Cláudia, de modo muito marcante.  

Retornando ao ponto de onde partimos, de nossa perspectiva, para além de seus  acertos técnicos, grande parte do sucesso de Meu Primeiro Verão está justamente no fato de  conseguir vender ao espectador um romance dramático onde a sexulidade das personagens é  um desenvolvimento e um elemento natural da narrativa, cujo drama e as adversidades estão  contidas em um elemento outro que seu relacionamento. A auto descoberta das protagonistas  não é percebida como uma fonte de sofrimento, mas como uma das chaves de sua libertação e  crescimento para “enfrentar o mundo lá fora”. Não existe dor ou dúvida no amor de Grace e  Cláudia, apenas uma conexão doce, refrescante e honesta que as ajudará a enfrentar os  desafios de uma realidade conturbada - mas cheia de promessas.  

Referência: 

Meu Primeiro Verão. Direção de Katie Found. Peccadillo Pictures. Austrália, 2020. 


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