Um Lobisomem Americano em Londres (1981), dir. John Landis
“Osso e Tutano”
O filme “Um lobisomem Americano em Londres” é uma comédia com pitadas de terror que se utiliza de padrões estabelecidos pelas histórias de lobisomem do passado e os subverte de uma maneira que respeita e satiriza o gênero ao mesmo tempo. O ambiente inglês em que se passa a história se relaciona bem com o estilo do humor, mais seco, situacional e por vezes mórbido, e permite uma exploração, mesmo em menor grau, das particularidades da Inglaterra. Um ponto alto é o trabalho de maquiagem e fantoches muito bem feitos, que causam um contraste positivo com o tom mais jocoso da obra.
A estrutura da trama é tradicional, contudo manipula o gênero dinamicamente através da narrativa. Em diferentes momentos é uma comédia pastelão com efeitos toscos, um romance um tanto carnal com boa dinâmica amorosa, uma investigação de um crime e um terror clássico, com uso de câmera como ponto de vista do lobisomem em uma caçada. Transitando entre seus estilos sem ser desconexo ou estranho, mostrando domínio do meio.
A maioria das canções usadas na trama tem “moon”, lua em inglês, e irradiam animação, gerando um efeito contrastante nas cenas mais sérias, mesmo assim a atuação é capaz de transmitir a dor das personagens e mantém estas humanas e interessantes ao público. Isso, aliás, é um triunfo pouco visto nos filmes de terror mais engraçados e satíricos, onde os personagens existem mais como sacos de carne do que como seres humanos conscientes. A obra como um todo celebra e reinventa o modo de contar uma história de lobisomem, tendo um começo lento, mas que não torna o todo um osso duro de roer, pelo contrário, chegando num delicioso tutano que dura até o fim.
AN AMERICAN WEREWOLF IN LONDON – NA LUA CHEIA, TUDO VIRA!
por Gustavo Bianchini V.
Por muito tempo esta crítica esteve salva nas minhas anotações com o título “Vira, Vira Lobisomem, Vira, Vira!”. Não sei exatamente qual caminho mental trilhei para chegar em Secos e Molhados ao refletir sobre Um Lobisomem Americano em Londres, mas é uma graça que não consigo tirar da cabeça. Aos leitores que viram o filme, talvez consigam simpatizar com esse pensamento. Aos desafortunados que ainda não assistiram, me sinto endividado em explicar minhas loucuras ao falar sobre o filme.
A narrativa desafia nossa própria concepção de gênero cinematográfico como caixas definidas, pois John Landis faz o que quer com o tom do filme, pulando de humor para pavor com uma facilidade ímpar. O filme equilibra as convenções do humor britânico e o terror corporal da transformação do homem para fera, como se o lobisomem americano fosse o distúrbio em Londres, ao mesmo tempo que o terror do licantropo é a transgressão da comédia inglesa. Por mais que doce e salgado possam parecer diametralmente opostos, acho que existe algo de tematicamente genial em uma comédia que na lua cheia se transforma.
Acho que preciso definir um pouco melhor o caráter humorístico que estou destacando, pois não quero passar a impressão que a narrativa busca a gargalhada incessantemente, na verdade, a história contém uma sucessão inescapável de pequenas risadinhas, vindas de interações entre personagens muito bem atuados (com destaque à relação entre a dupla protagonista, David e Jack) em uma sociedade cômica retratada de modo satírico. A cidade de Londres não é representada de modo magnífico, e o clímax do filme não se dá em Westminster no topo do Big Ben, mas em uma sala de cinema escura, com um filme pornográfico no fundo, uma demonstração de adoção da melhor característica do humor britânico, a irreverência irônica sobre a Inglaterra em si.
Já o terror é mais esporádico, com cenas de pesadelos e carnificina aqui e ali, escolhendo mostrar pouco para valorizar a ameaça, tudo culminando na segunda metade, onde a melhor cena do filme desnuda o mistério da criatura, mostrando toda a transformação de David em lobisomem. Quando digo toda, quero dizer TODA! Mãos e pés se estendendo, pelos crescendo anormalmente e a fisionomia humana brutalmente remodelada para um quadrúpede. A cena é incrível e uma conquista técnica digna de todas as honras possíveis (o responsável pelos efeitos especiais, Rick Baker, foi inclusive vencedor do Oscar pelo filme). Para além da transformação, a caracterização do lobisomem é impressionante, sendo filmada inteligentemente para preservar a criatura enquanto ela persegue ingleses coitados.
Se tivesse que ser chato, diria que algumas cenas acabam sendo mais impressionantes de assistir pela capacidade técnica do que efetivas em te fazer sentir terror, mostrando uma certa limitação na relação comédia/terror que a história apresenta. Isso não compromete a experiência, mas revela o risco dessa proposta híbrida, pois ao tentar ser tudo, o filme às vezes entrega mais espetáculo do que emoção bruta, como se a criatura fosse mais interessante como ideia do que como ameaça.
No fim das contas, talvez a associação com Ney Matogrosso continue parecendo absurda ao leitor, fora de qualquer framework temático que eu tenha apresentado sobre a narrativa. Mas me permita insistir que quando o filme chega ao fim e uma versão bem particular de “Blue Moon” começa a tocar, ficou claro para mim que Um Lobisomem Americano em Londres pouco se importa com o que parece certo ou apropriado para a estrutura do longa metragem. Ele é tragicamente cômico, um híbrido tonal entre extremos, uma metamorfose entre estados de ser. E eu tenho certeza, do fundo do meu coração, que só não ouvimos Secos e Molhados na trilha sonora por que John Landis nunca chegou a conhecer a música.
Londres não está preparada para as suas origens? Ou o passado sempre vai continuar?
por Magnus Ferreira de Melo
Um lobisomem americano em Londres, dirigido por John Landis, prende o público desde os seus quinze a vinte minutos iniciais bucólicos, com a sensação incerta de que algo sobrenatural realmente vai acontecer com dois amigos americanos que visitavam a Inglaterra, até serem brutalmente atacados por um lobisomem. Mesmo com os seus mais de quarenta anos de lançamento — em 1981 —, continua tendo o seu tom de novidade e originalidade, ainda que a alta da temática das histórias de lobisomem, em especial as americanas, tenham se tornado hoje algo démodé (quem sabe para muitos).
O filme é bem equilibrado. Apresenta cenas sanguinolentas, com sustos relativamente eficazes, e outras de um marasmo que ainda busca ser tenso — ainda que sejam, por vezes, tediosas —, que têm duração média de dez minutos cada. Os diálogos são irregulares, com algumas piadas sem graça, forçadas ou fracas, pelo menos hoje, que se mantêm até dois terços da obra. Trechos como a enfermeira obrigando David a se alimentar, ou ainda do choro do rapaz ao se deparar com o amigo definhando até o beijo sem razão de ser destoaram as atuações ou a linearidade da história. Por outro lado, as maquiagens (como a de Jack, que é progressiva), os efeitos sonoros altos em momentos de suspense e o instante caótico na capital da Inglaterra do ataque, em crescendo, se tornam pontos altos — em especial a transformação do protagonista em uma fera: que mostrou através da câmera a sua dor e o pânico; cena longa, até a quebra da quarta-parede, ao que parece, para pedir ajuda (apenas para pedir ajuda?).
Uma questão de interesse é o visível destaque das ruas e da sociedade da capital, com a presença de povos indianos e de jovens no estilo punk — mostrando as mudanças sociais da cidade grande. Contraponto com o interior: vazio, de gramas-rasteiras, de gente que conhece a si (e se cala com a chegada de estrangeiros/forasteiros). Tal dicotomia se faz presente na primeira e última cena do filme (a primeira é calma e contemplativa, a segunda, tensa e urbana). Enquanto a cidade é diversa, plural, o interior é pacato, mas temeroso pelo costume do sobrenatural — com a chegada do lobo na capital, nota-se tal diferença: a desconfiança científica do médico e a curiosidade e desorganização do povo com o ataque. Teria, nesse sentido, a cidade grande esquecido o seu “passado”, crendo que a realidade está presente em um zoológico, por exemplo? Ou uma fera no escuro está prestes a atacar o homem, estrangeiro no seu próprio mundo? O debate, com isso, toma múltiplos caminhos.
Entre pipocas faltando sal e um chocolate de coco bem gostoso, que os colegas gentilmente proporcionaram pra experiência, eu estava interessado e curioso pela história que começava a se desenrolar diante de mim. Dois jovens bonitos e americanos andando com muita bagagem numa estrada escura em algum lugar da Grã-Bretanha.
Então, uma taverna muito da estranha – cujo nome era algo como “o cordeiro abatido” - e gente mais estranha ainda dentro define o início do fantástico no filme, originário dos conflitos principais dos protagonistas.
Devo confessar que, foi só o curto pedaço de narrativa até esse momento que me desceu de forma suave como espectador. É, durou pouco. A progressão dos diálogos dentro do bar sinistrão me pareceu travada por uma intencionalidade aparente demais para soar verossímil. Não que precisasse de realismo um filme de lobisomem e alma penada – combinação interessante -, mas o fato de os frequentadores do local serem, sem motivo algum, rudes com os viajantes e, à revelia, deixá-los à mercê dos demônios famintos me fez dar um passo atrás antes de conseguir me entregar pro filme.
Ah, e o fato de os mesmos homens impiedosos e alheios quererem salvar os rapazes depois de ouvirem o – bem interessante – uivo da criatura demoníaca, isso não ajudou o enredo a descer redondo. Mostrou mais ainda a incômoda intencionalidade que mencionei, que era: ir pra algum lugar com o roteiro, de qualquer maneira.
Talvez seja até injusto criticar um filme de gênero, hollywoodiano, de 40 anos por tal critério: o de não parecer... real. Mas reitero que não falo aqui de uma semelhança com a minha ou a sua realidade, mas de uma coerência com a própria realidade interna DO FILME.
É por isso que estou mencionando essa primeira passagem do enredo e não, por exemplo, o grande romance entre o protagonista e a enfermeira sexy. Mas só de relance, vai: ela se interessou pelo bonitão quando ele ainda estava desacordado e com 3 dias da consciência dele retomada, ela já decidiu de bom grado arriscar a sua vida entre a besta e mais 20 fuzis dos policiais londrinos. Mas tudo bem. A progressão dos acontecimentos até ali fez aquilo ter sentido. Desce bem. Convence, até. Outros momentos do filme... não.
Não deu. Aquele clímax da criatura correndo pelo centro e tanto caos e batidas estrondosas de carros e explosões luminosas... Parece que estavam com orçamento demais e pensaram que seria bom comprar mais emoção pro filme.
Foi esse tipo de descompromisso com a história que me fez amargar a experiência.
Colegas, a pipoqueira elétrica é um charme e é bom que não se precise adicionar óleo ou manteiga ao milho. Mas o sal teve dificuldade em grudar e temperar a nossa pipoca. O docinho de coco, porém, infalivelmente bom.
Por mais que no filme falte o sal da coerência e seja demasiada perceptível a sua intenção de ser filme, houve também um deleite doce no caos entre gêneros – comédia e horror - e na dissonância de tudo o que víamos com a trilha sonora suave e irônica.
Claro, também há de ser elogiado o trabalho com a maquiagem especialmente nas cenas de transformação. Delícia.
Boa experiência, mas sem bis, obrigado.
por Macela Rampon
Lançado em 1981, Um Lobisomem Americano em Londres é um dos filmes mais emblemáticos da chamada "renovação do horror" dos anos 1980. O longa mistura terror e comédia de maneira ousada, criando uma obra que tanto homenageia o cinema clássico de monstros quanto desafia suas convenções com ironia e criatividade visual.
A trama acompanha dois jovens americanos, David e Jack, que são atacados por uma criatura enquanto fazem trilha no interior da Inglaterra. Jack morre, mas David sobrevive e logo descobre que foi mordido por um lobisomem. A partir daí, o filme adota um tom ambíguo: ora sério e melancólico, ora abertamente cômico e absurdo.
Essa fusão de gêneros é um dos principais destaques do filme. Ao contrário de outros títulos lançados no mesmo ano, como Grito de Horror (The Howling, de Joe Dante), que trata a licantropia com tons mais sombrios e metafóricos, Um Lobisomem Americano em Londres aposta no humor ácido e no contraste. A trilha sonora, por exemplo, inclui várias músicas com a palavra "moon" (lua), como Blue Moon e Bad Moon Rising, usadas de maneira irônica para acompanhar cenas de violência e transformação monstruosa.
Outro ponto forte é o trabalho de maquiagem e efeitos especiais. A famosa cena da transformação de David em lobisomem, é um marco no horror. Sem recorrer a cortes rápidos ou sombras, o filme mostra a metamorfose de forma crua e realista — com ossos se alongando, pele se esticando e pêlos brotando. O impacto dessa sequência foi tão grande que levou à criação da categoria de Melhor Maquiagem no Oscar, vencida por Baker.
Apesar de algumas transições bruscas de tom e de um final abrupto, o filme se destaca por sua originalidade e por como consegue equilibrar sustos e risadas sem perder o controle. Além disso, influenciou profundamente o gênero de horror cômico nas décadas seguintes, pavimentando o caminho para títulos como Um Drink no Inferno (1996), Todo Mundo Quase Morto (2004) e O Que Fazemos nas Sombras (2014) entre outros.
Será que An American Werewolf In London seria melhor como drama? E RI?
por Luiz Eduado Schlosser
O longa Um Lobo Americano em Londres, lançado em 1981, dirigido e escrito por John Landis é um grande marco para a indústria de efeitos especiais (sendo esse o ponto forte do filme) e para o gênero de terror sobre a licantropia, sendo uma cooperação entre os Estados Unidos e a Inglaterra. Essa cooperação é muito representada no filme, incorporando piadas sobre o chá e humor inglês por um lado e o individualismo e falta de nacionalismo norte americano (joga o mexicano do avião) por outro lado. Os personagens principais David e Jack que são americanos e a Inglaterra onde eles estão representa essa fusão não só dos dois países, mas também do sentido do próprio gênero, a Licantropia.
O ponto que considero (o júri do Oscar também) mais expoente na obra é a maquiagem, sendo ela o motivo que o filme ganhou o Oscar inaugural da categoria Melhor Maquiagem e Penteados em 1982. As cenas de transformações do lobisomem para a época foi um divisor de águas, algo impressionante e muito bem construído. A cena em que David se transforma na criatura me causou gasturas de tão orgânica e tensa que se apresentou. As cenas de ataque (menos a última) foram muito bem dosadas, deixando aquele suspense no ar, principalmente a do metro. Os visuais dos mortos-vivos que espetáculo sanguinário, ainda consigo ver as peles balançando.
Outro ponto a destacar e que a priori avisarei que vou relacionar com conceitos do meu curso é o antagonismo entre o rural e a capital da Inglaterra. Em uma matéria sobre geografia econômica aprendemos sobre conceitos de Fernand Braudel, o autor entre outras ideias, nos apresenta a divisão de espaço dentro da economia mundo capitalista sendo o núcleo orgânico, mais desenvolvido, rico e incorporado ao capitalismo; e a regiões periféricas, subdesenvolvidas e feudais. Para o autor o núcleo precisa ser cosmopolita, como no filme representado pela capital inglesa, uma cidade de liberdade pessoal, um encontro de vários estilos e culturas, não se importando com ‘estrangeiros’. A área rural do filme nos apresenta como algo retrógado, com a presença de muita desconfiança ao externo e no estilo feudal como observado na presença da taberna Cordeiro Abatido se alinhando assim a ideia de periferia.
Chegando então a comédia apresentada no filme, foi algo que não consegui sentir, as piadas insultando as nações até eram legais, mas não conseguiram salvar. As falas e as interações que eram para trazer o gênero humor para o filme não foram realizadas da melhor forma, principalmente as interações entre David e o amigo morto-vivo,no qual em nenhum momento se tornam engraçadas. O peso do suicídio que é imposto para o Lobisomem, a culpa das mortes seriam melhor representadas se o filme incorporasse o drama no lugar da comédia. Assim ela daria espaço a toda essa melancolia e tristeza que gerou em mim naquelas cenas que pelo tom viraram cômicas e nada interessantes. Aquele momento em que ele percebe todas as mortes que ele causou dentro de um ‘cinema’ não se tornou engraçado pelos sons presentes no plano de fundo, mas sim insuportável, não permitindo sentir o peso do assunto. Acredito que John Landis deveria assistir Pearl (2022) ou MaXXXine (2024) para representar nas cenas o apetite sexual do monstro.
Concluindo o filme é uma grande obra do gênero com a presença de Lobisomens (que temos milhares de filmes na atualidade), sendo precioso por sua originalidade e ótimos visuais. Mas ele se apresenta igual a essa crítica, tenta incorporar temas divergentes (como terror e comédia, Relações Internacionais e o visual de uma transformação) e falha não tão miseravelmente, mas ainda falha.
REFERÊNCIAS
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo – Séculos XV – XVIII. Volume 3, O tempo do mundo. São Paulo, Martins Fontes, 1998.
Crítica: Um Lobisomem Americano em Londres (1981), dir. John Landis
por Amanda M.
Um Lobisomem Americano em Londres se inicia de forma serena, quase pastoral — com dois jovens americanos percorrendo os campos úmidos e vazios da Inglaterra rural — e carrega já nos primeiros quinze minutos uma tensão difusa, como se a névoa e o silêncio das paisagens anunciassem que algo ancestral, monstruoso, espreita. John Landis conduz esse início com um ritmo cuidadoso e com um certo humor incômodo, até que a brutalidade da narrativa se instala: o ataque violento de um lobisomem que marca não apenas o corpo do protagonista, David, mas toda a atmosfera do filme.
Mesmo passadas mais de quatro décadas desde seu lançamento, o filme continua a dialogar com questões ainda presentes — o estrangeiro em terra alheia, o medo do outro (ou de si mesmo), e a luta entre a natureza humana e o instinto irracional. Sua originalidade ainda persiste, mesmo que o universo dos lobisomens já tenha sido desgastado por releituras modernas e frequentemente caricatas. Landis, no entanto, entrega uma obra que está no limiar entre o horror e a comédia — o que pode tanto fascinar quanto desagradar.
Há um desequilíbrio proposital na estrutura narrativa: momentos de silêncio arrastado, diálogos banais e até mesmo desinteressantes são intercalados com cenas de extrema violência ou com um humor negro quase britânico, frio e impassível. As piadas são por vezes fracas, e os personagens secundários não se desenvolvem com profundidade — o que tira parte da força emocional de algumas cenas. A relação amorosa entre David e a enfermeira, por exemplo, surge rápida demais, quase como um pretexto, e carece de verossimilhança ou mesmo química.
Mas o que realmente marca Um Lobisomem Americano em Londres são suas qualidades técnicas: a maquiagem e os efeitos práticos são impressionantes até hoje. A cena de transformação é um marco do cinema de horror — longa, dolorosa e quase insuportável de assistir, em parte pelo realismo da técnica, em parte pelo olhar de desespero do ator. É ali que o filme atinge seu ápice: a humanidade sendo arrancada do protagonista aos poucos, em um espetáculo de dor e metamorfose.
A ambientação urbana contrasta fortemente com o campo inicial. Londres aparece plural, acelerada, caótica, cheia de neon e rostos indiferentes. A cidade grande, ao contrário do vilarejo rural que parece conhecer (e esconder) o sobrenatural, trata o impossível com incredulidade. A transição do monstro para o meio urbano é também simbólica: talvez a cidade moderna tenha esquecido sua própria mitologia, substituída por diagnósticos médicos e câmeras de segurança. O horror, então, deixa de ser apenas físico — ele é também o da incompreensão, do isolamento e da quebra de identidade.
Ao final, quando o destino de David se cumpre de forma seca e brutal, sem redenção, não há propriamente um alívio. O filme encerra como começou: com um deslocamento. O monstro é abatido, mas o vazio permanece. Afinal, o que restou ali, um homem, um animal, ou apenas o medo que projetamos uns nos outros?