Dias Perfeitos (2023), por Amanda Brandalize, Ana Luísa Antonioli, Raquel Almeida e Vitória Vogel

"Dias Perfeitos" (Perfect Days), dirigido pelo renomado cineasta e dramaturgo alemão Wim Wenders, é uma obra que oferece ao público uma reflexão profunda sobre a existência humana, a solidão e a beleza encontrada na rotina. Lançado no Brasil em 2024, o filme mergulha nos pequenos momentos que constituem a vida de seu protagonista, Hirayama, interpretado por Koji Yakusho.

A trama se desdobra nas ruas de Tóquio, onde Hirayama trabalha como limpador de banheiros públicos. Apesar de parecer, à primeira vista, simples e monótona, sua vida é uma celebração dos pequenos prazeres cotidianos. Isto se revela desde a música clássica que ele escuta em seu walkman até sua paixão por literatura e fotografia. A narrativa se concentra em capturar a essência da rotina de Hirayama, revelando gradualmente os traumas e segredos que moldaram sua existência e o tornaram quem ele é. 

A abordagem de Wenders apresenta uma história leve e com vários respiros, permitindo que os espectadores se conectem com o personagem. A escolha por um personagem comum, com uma vida aparentemente banal, subverte as expectativas e convida o público a encontrar significado e beleza nas atividades diárias e nos encontros casuais que definem a experiência humana. 

O longa traz uma visão diferente sobre a solidão, comumente retratada de forma melancólica. Em “Dias Perfeitos” ela está relacionada a um estado contemplativo que permite ao personagem principal ser mais introspectivo e apreciar as coisas simples da vida. O filme sugere que há uma beleza intrínseca na rotina e que a vida pode ser vivida plenamente mesmo na ausência de grandes eventos ou realizações. Wenders é capaz de revelar como as pequenas mudanças e as interações inesperadas podem ter um impacto profundo para o crescimento e a adaptação humana. 

Todos esses eixos temáticos abordados pela obra revelam-se não apenas em um âmbito narrativo, mas também nos aspectos formais do longa. Apesar de seu ritmo lento, um dos maiores méritos do filme é a capacidade de captar e engajar a

atenção do espectador de forma natural, ainda nos primeiros minutos. Sem grandes mecanismos além da própria estrutura das imagens e do som, o olhar fotográfico de um espectador-personagem e a trilha sonora que parece se conectar aos sentimentos e emoções do protagonista, geram conexão pela identificação. 

Enquanto o enredo segue a sutileza dos dias comuns, a câmera privilegia as imagens estáticas e centrípetas, que apontam para dentro da cena e entram em congruência com os aspectos psicológicos transmitidos. Planos fechados refletem a vida introspectiva do protagonista e se mesclam a aberturas de câmera que o integram à cidade e ao ambiente ao seu redor. Essa combinação visual mostra que independentemente do quão discreta seja sua vida particular, Hirayama ainda faz parte de uma comunidade, que impacta diretamente seu cotidiano. 

O uso da luz e da cor é particularmente notável, ajudando a destacar a simplicidade e a beleza das experiências cotidianas. Alternando entre tons quentes e frios, a fotografia da obra acompanha as oscilações internas do protagonista. Além disso, as sequências em preto e branco que ilustram os sonhos e o subconsciente de Hirayama também têm destaque. De maneira abstrata e metafórica, elas incentivam o entendimento das particularidades do personagem de forma a criar mais questionamentos do que respostas claras. Essa abordagem enriquece a narrativa e aprofunda a imersão emocional do espectador, ampliando as interpretações. 

Pode-se dizer que "Dias Perfeitos" é um texto aberto e polissêmico. Da mesma forma que Hirayama resiste à entrada das novas tecnologias digitais em sua vida, o filme resiste a uma tendência do cinema contemporâneo de tornar-se cada vez mais explicativo, expositivo, rápido e direto. Em contraposição, ele prioriza as imagens contemplativas, os significados subjetivos, a lentidão da passagem do tempo, a sutileza do som dos gestos acima dos diálogos, e a complexidade de uma narrativa humanamente sensível.


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