Ilha das Flores (1989), dir. Jorge Furtado

 

            Ilha das Flores é um curta-metragem brasileiro dirigido por Jorge Furtado e lançado em 1989, cuja premissa se baseia na exposição e crítica acerca das relações econômicas e do papel do ser humano inserto no sistema capitalista de produção e consumo. O local de ambientação da trama é o lixão de mesmo nome da produção em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no qual são introduzidos personagens e situações que explicitam uma sequência de acontecimentos relacionados à economia local e aos cidadãos componentes desta. Para isso, o diretor se utiliza de conceitos biológicos, históricos e sociais organizados de maneira dinâmica e cômica a fim de engajar o espectador a compreender todas as amarrações existentes entre os elementos constituintes da crítica, refletindo uma ponderação fortunata do recurso.

            Uma característica a ser pontuada sobre o filme é a maneira como a qual a mensagem pretendida por Jorge Furtado sobre a condição humana pode ser facilmente interpretada tendo em vista a exposição crua ocasionada pelas escolhas imagéticas, absorta na argumentação oral do autor. Esta, portanto, é uma conjugação exitosa realizada como forma de dinamizar o discurso e cativar o interesse do público diante das conexões existentes. Ainda com relação a isso, a obra cinematográfica apresenta um potencial exclamativo relacionado à sua promoção da compreensão de forma universal ao considerar a ubiquidade das circunstâncias manifestadas.

Em suma, a emolduração sobre pobreza, miséria e silenciamento ao ser humano funciona como uma centelha que ocasiona uma crescente reação da qual Jorge Furtado extrai a realidade real.


Marlon Ramos

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Ilha das Flores é um curta provocador e impactante que consegue expor com uma clareza devastadora as engrenagens da desigualdade, da miséria e da injustiça, especialmente no contexto brasileiro. Utilizando humor ácido e uma linguagem quase científica, o diretor Jorge Furtado oferece uma crítica social que permanece atual e inescapável, escancarando como a lógica do consumo e do capital determina quem tem acesso à dignidade – e quem sobra na margem.

A narrativa acompanha a trajetória de um simples tomate, desde a plantação até sua rejeição pelo mercado. Essa escolha aparentemente banal serve como fio condutor para expor as relações de produção, consumo e descarte que estruturam a sociedade contemporânea. Através desta viagem, o curta revela de forma clara como bens materiais e vidas humanas se tornam peças descartáveis dentro da lógica econômica, construindo um retrato desconfortável da realidade brasileira.

O grande trunfo do curta está no tom sarcástico da narração. Ao adotar uma linguagem objetiva e quase científica, descrevendo o mundo com definições frias – “mamífero, bípede, telencéfalo altamente desenvolvido” – Jorge Furtado desmonta a ilusão de civilidade que sustenta o capitalismo. O humor aqui não serve para suavizar, mas para intensificar o incômodo: rimos, mas o riso trava na garganta quando a ironia revela uma realidade insuportável.

Esteticamente, o filme é frenético. Montagem acelerada, imagens de arquivo, colagens gráficas e sobreposição de textos criam um ritmo que prende o espectador e reforça a sensação de absurdo. A trilha sonora, igualmente dinâmica, sustenta o tom sarcástico e impede qualquer espaço para o sentimentalismo – não há apelo à piedade, há convite à reflexão crítica.

Mais de três décadas depois, Ilha das Flores segue atual, porque as estruturas que denuncia permanecem intactas. É um soco envolto em ironia, um exemplo brilhante de como o cinema pode ser arte, denúncia e ferramenta política. Ao final, resta ao espectador a pergunta que ecoa silenciosa: em qual ponto da cadeia de valor nós estamos – e quem, afinal, está atrás de nós na fila?

Elisa de Melo Schlichting

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"Livre-arbítrio é a capacidade de fazer escolhas; só não pode escolher quem é mais livre."
O curta Ilha das Flores (1989), dirigido por Jorge Furtado, rompe padrões narrativos ao construir um discurso que mistura humor ácido e desconforto social. Longe de ser um simples documentário, a obra utiliza conexões aparentemente banais para expor contradições profundas sobre consumo, descarte e hierarquias humanas.

A estética, composta por cortes dinâmicos, fotografias cruas, narração veloz e uso estratégico de música, não dá espaço para respiro. O ritmo acelerado, aliado ao tom irônico da narração, transforma situações corriqueiras em questionamentos éticos e sociais. Cada detalhe, desde a escolha das imagens até o som que as acompanha, reforça o desconforto e provoca reflexão. Ao mesmo tempo, o filme força o espectador a se colocar no lugar dos personagens e a confrontar suas próprias percepções de valor e justiça. É uma obra que, mesmo em sua brevidade, consegue tornar tangível o impacto das desigualdades cotidianas.

O filme não pede compaixão, exige raciocínio. Ao confrontar o espectador com escolhas e consequências cotidianas, traduz uma crítica feroz às estruturas sociais que normalizam a desigualdade e questiona a própria consciência individual.

Mais que cinema, é um ensaio visual que provoca, ironiza e questiona; continua atual, não por acaso, mas porque suas perguntas ainda não têm resposta.

Kailani Novello

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 O Curta Ilha das flores, dirigido por Jorge Furtado, possuí uma duração de 15 minutos, fazendo a análise de um ciclo de um tomate, retratando a colheita deste tomate, até a ele ser utilizado para fazer um simples molho, mostrando neste processo um tomate que não possuía a serventia para tal molho sendo descartado no lixo. E parando na ilha das flores onde fica um lixão, retratando pessoas de extrema pobreza que sobrevivem infelizmente a partir do descarte destes alimentos. 

  O Documentário nos convida também a pensar sobre a sociedade e como o consumo desenfreado impacta diretamente nas camadas mais baixas das classes sociais, mostrando os problemas da propriedade privada frente a dignidade social humana das pessoas que se encontram em extrema pobreza. levando a questões de como inúmeras pessoas são esquecidas sem nenhum tipo de assistencialismo ou suporte, passando por humilhações para conseguirem se alimentar, Fica bastante evidenciado também a falta de empatia com o mais próximo em especial com os mais pobres, nos mostrando que os porcos tinham mais prioridade nas sobras para comer do que as classes marginalizadas mostrada no documentário. O documentário também realiza uma relação entre animais, natureza e seres humanos de uma forma bastante curiosa.

  Ilha das flores continua sendo um documentário bastante atual, com inúmeras pessoas passando pelas mesmas situações vistas no documentário, passando pelo aumento da fome e pobreza, diante disto Ilha das flores serve para informar o que acontece graças às desigualdades sociais e nos ajuda a buscar formas para igualar as classes evitando que pessoas passem por situações degradantes como mostradas no documentário.


Rafael Perkovski Müller

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A Ilha das Flores é não apenas um lugar real, mas a representação de inúmeros lugares reais por todo o Brasil e por todo o globo. Em 2024 Porto Alegre já produzia mais de 1.600 toneladas de lixo por dia, mais que triplicando o apontado no filme em 35 anos. O filme não aponta apenas para essa realidade, mas também para a realidade das pessoas obrigadas a viver em uma realidade que parece ser alternativa à que vivemos.

Em um formato de documentário, o qual mais parece ter sido retirado de um trecho de algum episódio do Castelo Rá Tim Bum, Jorge Furtado coloca um toque mórbido adicionado ao humor quase infantil. Dessa maneira,  percorre o trajeto do tomate até o seu fim, explicando a diferença entre seres humanos, porcos e tomates, fazendo vários apontamentos quanto à condição humana. Estes apontamentos vão desde a aparente contradição entre a conclusão do filme e a ideia da produção de “melhoramentos” no planeta - permitida apenas pela telencéfalo altamente desenvolvida e pelo polegar opositor - até os grilhões invisíveis da liberdade moderna, outra condição específica do ser humano, - não presente em porcos ou em tomates.

Uma denúncia fatal sobre o consumismo e o acúmulo ignóbil da condição moderna. Sem consequências, assim como o filme, e sem filtros. Não é colocado uma manta sobre a fria realidade, apenas é apresentado como parte do processo, parte da realidade. Colocar humanos abaixo de porcos e tomates é mais um passo apenas. Em um regime de acúmulo, de que adianta um telencéfalo altamente desenvolvido um polegar opositor se a condição humana é vinculada à sua capacidade de lucrar?


Gustavo Rocha

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Ilha das flores, dirigido por Jorge Furtado e data do ano de 1989, é um documentário curto que nos guia em uma jornada crítica, com tom leve mas com um subteto muito forte até todas as questões da ilha das flores.

O padrão de repetição da montagem e do roteiro em explicar o conceito do que é não ser humano e do que é não ser humano, é de início cômico, porém, também é usado de forma crítica ao nos mostrar como as vezes isso não parece mais óbvio para algumas pessoas que vivem abaixo da pobreza e chegam em um nível de comer resto de comida que pessoas jogaram fora, que foram reaproveitados para alimentar porcos e que aí sim comem o extrato do que não pôde ser usado nem para alimentar os animais e foi descartado no gigante aterro sanitário de Porto Alegre, chamado, Ilha das Flores.

Jorge Furtado choca com seu roteiro ao nos mostrar que na ilha das flores, não há nenhuma flor, muito pelo contrário, há pessoas vivendo abaixo da decência do tratamento humano, que é exposto também de forma imagética. Além de nos mostrar a segregação social, também é notório que o grupo social que frequenta a ilha das flores para tentar viver é majoritariamente composto por pessoas que não são brancas, trazendo também um parecer sobre a grande e triste desigualdade racial em nosso país.

Ilha das flores é um daqueles documentários difícil de se assistir várias vezes pelo choque que causa, mas ao mesmo tempo é necessário por sua atemporalidade que foi construída através da narrativa simplificada mas de forma extremamente inteligente, onde até mesmo uma criança poderia ver e entender todo o contexto ( O que acontece muito pois o curta é tradicionalmente exibido em escolas por todo o Brasil) Ainda sim, isso só mostra o quanto a produção foi bem feita, e precisa em suas críticas e o quanto a direção de Jorge Furtado foi cirúrgica em construir roteiro, imagem e atmosfera que contribui para as graves denúncias que o curta faz.

Samuel Torres

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    O filme Ilha das Flores, dirigido por Jorge Furtado, retrata a vida e trajetória de um tomate. Trata-se de um roteiro que inicialmente pode parecer raso, sem sentido, sem motivo para ser executado. Mas para além desse tomate, um entre tantos outros no mundo, é um filme sobre a verdade nua, feia e crua da humanidade que nós, como um todo, culpados ou não, construímos. 

Ao contar a história desse tomate, o diretor retrata toda uma teia de indivíduos e dinâmicas que o envolvem. Entre o produtor de tomates, o perfume vendido por uma das clientes de um mercado e a aluna de uma escola de segundo grau de Porto Alegre, é traçada uma cadeia de interações que giram em torno do personagem principal. Nessa cadeia, a posição mais inferior é ocupada pelas mulheres e crianças que moram no aterro chamado de Ilha das Flores. Esquecidas pela cidade e pelo mundo, tratadas com menor consideração do que os porcos do aterro, elas sobrevivem daquilo, como o tomate em questão, considerado impróprio para consumo por pessoas afortunadas o suficiente para não estarem na situação em que elas se encontram.

Para além de documentar, o filme traz consigo um profundo questionamento. A linguagem é, ao longo de quase todos os seus minutos, muito técnica: o narrador apresenta várias vezes as definições das palavras e conceitos, criando o mesmo efeito de quando pensamos muito em uma palavra e ela começa a perder seu sentido. Conforme o narrador repete que o ser humano é definido e se diferencia de outros animais por ter um telencéfalo altamente desenvolvido e por seu polegar opositor, surgem as dúvidas: será que somos realmente tão diferentes de outros animais como acreditamos ser? Que tipo de criatura supostamente desenvolvida e superior seria capaz de condicionar seus iguais a realidades como a retratada nesse filme? Devemos nos definir e nos orgulhar de sermos humanos por nossos cérebros e nossos dedos, ou por outras características de nossa humanidade? Ainda possuímos essas outras características, ou será que as perdemos?

Apesar de ter sido produzido em 1989, trata-se de um filme atemporal, classificação que geralmente é motivo de orgulho para cineastas. Produzir uma obra que dialoga com diferentes momentos e é apreciada e reverenciada ao longo de todos eles, desafiando as barreiras do tempo e diferenças geracionais, é um feito glorioso. No caso do documentário em questão, é motivo de profunda tristeza e vergonha para todo e qualquer um que o assista constatar que ele poderia ter sido produzido hoje, 10 ou 20 anos atrás, que ainda seria extremamente atual. 

Graziela Alves

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Ao som de uma trilha que remete uma comédia trágica, o curta Ilha das Flores se inicia com frases que trazem um tom de abandono que é abordado por comparativos ao longo de seus 13 minutos. O curta usa de uma estratégia de documentários que são passados em aulas de história durante o colégio, narrando de forma mais lúdica as descrições que tecem a crítica social que é exposta. Essa estratégia opera de forma a realizar algo muito interessante, a brincadeira entre o realismo e o surrealismo. A ironia subversiva comparando em um momento o valor social de uma pessoa com o dinheiro usado para comprar tomates, é chocante apesar de ser algo corriqueiro que perpassa o mundo tangível todos os dias, ainda assim hipnotiza pela verdade que é cruel mas que se passa por apenas mais um momento do cotidiano, ignorado, inerte ao passar dos tempos.

Ilha das Flores, dirigido por Jorge Furtado, foi lançado em 1989, e dói por continuar retratando a situação precária de milhões de brasileiros. Porém, a narrativa do filme tenta enganar trazendo um romantismo, com frases ácidas, e jogos de tela onde vemos cortes entre as cenas tristes sobre insuficiência alimentar e pobreza com cenas de curiosidades científicas como do tempo cronológico. Essas escolhas levam a um ritmo que desliza pelo nosso cérebro, pingando por cada membrana celular, deslizando até criar um incômodo que te faz desconfortável mesmo dias após ter assistido. Esse incômodo talvez seja o que faz o curta ser tão engenhoso, pois de nada serviria sua crítica irônica se ela não produzisse um efeito, uma distorção nos jogos de verdade que moldam a nossa realidade, um questionamento foucaultiano sobre a biopolítica que rege as sociedades e excluí para estratificar e pesar em uma balança de supermercado o quanto você vale para a sociedade. Não se engane pelos cheiros das flores que são plantadas em um esforço para parecer que o país se esforça em ser ecológico- independente do ano, independente do local- o cheiro disfarça a podridão do sistema, que polui não apenas no sentido literal e ambiental, mas polui nossa sociabilidade, tirando nossa empatia para poder assim permitir que a necropolítica funcione, que algumas pessoas tenham direito a vida e que outras tenham direito a morte a qualquer momento. O título do curta, ao meu ver, não se refere apenas ao local triste onde o lixo se iguala a vida humana, mas também ao próprio isolamento imposto a essas vidas, como uma ilha isolada, como a solidão insana de “O Senhor das Moscas”, e as flores? As flores são o nosso pão e circo, o filme é uma flor, o vemos, nos doemos com ele, mas ainda assim estamos em um barco ou estamos em uma terra firme, mas não estamos na porção flutuante e isolada da miséria humana. 


Ana Carolina Menegassi

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lha das Flores é menos um documentário e mais um mecanismo de desmontagem, um dispositivo fílmico que se articula pela palavra, pela montagem e pela ironia, recusando a linearidade narrativa em favor de um encadeamento lógico que imita a dissecação científica, como se o cinema se tornasse laboratório de dissecação social onde cada definição, cada associação, cada corte conduz o espectador sem respiro até o abismo ético que sustenta a sequência falada. Essa estrutura provoca não pela emoção imediata, mas pelo desconforto cerebral, de forma que somos arrastados por um raciocínio que parece rigoroso e neutro, e justamente por isso expõe com crueldade como a naturalização da miséria se inscreve na própria ordem da lógica social.

A voz fria, quase maquinal, opera como um dicionário encarnado que acumula definições, categorias e conexões em uma cadência que beira a tautologia. É nessa frieza que reside o choque, pois o mesmo tom usado para descrever o processo da cadeia de consumo de tomates é aplicado à vida de pessoas reduzidas à condição de resíduos, e nesse paralelismo devastador o espectador é levado a perceber que não há ruptura entre economia, mercado e fome, mas continuidade sistemática.

A montagem, rápida e incisiva, funciona como a segunda engrenagem dessa máquina - imagens, mapas, arquivos, tomates, mulheres, porcos, fome. Esse didatismo visual é ao mesmo tempo pedagógico e cruel, pois conduz a uma lição que não liberta, mas oprime, já que o raciocínio impecável desemboca não na emancipação, mas na constatação de que a barbárie é lógica, previsível, inscrita nas engrenagens cotidianas. 

A força do curta está em nos obrigar a reconhecer que a miséria não é fruto do caos ou da catástrofe, mas produto do método, lembrando que o verdadeiro horror não está na quebra da ordem, mas no funcionamento impecável dela.


Isabella Macedo
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O documentário Ilha das Flores, com direção de Jorge Furtado, é uma obra curta, mas de forte impacto, ela questiona de forma direta as contradições do sistema econômico e social. Utilizando uma narrativa acelerada, irônica e fragmentada, o filme rompe com o padrão tradicional do gênero documental, aproximando-se mais de um ensaio audiovisual. A estratégia de explicar a “vida” do tomate até chegar ao lixão, onde seres humanos disputam restos de comida com porcos, evidencia as desigualdades de maneira objetiva e desconfortável. O uso de humor ácido e de uma linguagem quase didática não suaviza a crítica; ao contrário, intensifica o desconforto ao expor a lógica de exclusão que acontece na sociedade. Apesar de ter sido produzido em 1989, o curta se mantém atual, já que as questões de miséria, desigualdade e desperdício continuam presentes. Sua força está justamente na simplicidade da forma aliada à contundência do conteúdo, transformando-o em uma das produções mais relevantes do cinema brasileiro no campo documental.
Fernando Andrade
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Lançado em 1989 e dirigido por Jorge Furtado, Ilha das Flores é um curta-metragem brasileiro que se tornou um marco no cinema nacional e mundial. Com apenas 13 minutos de duração, o filme mistura ficção e humor ácido para refletir sobre desigualdade social, consumo e dignidade humana. É considerado um dos curtas mais importantes já produzidos no Brasil, tendo sido premiado internacionalmente.

A narrativa acompanha o trajeto de um tomate, desde a plantação até a sua rejeição por uma dona de casa, passando pelo lixo, por porcos e finalmente chegando aos moradores da Ilha das Flores, que vivem em condições de extrema pobreza.

Assistir a Ilha das Flores é um exercício de desconforto. A ironia inicial, quase divertida, vai se transformando em indignação à medida que a narrativa revela a brutal desigualdade da sociedade. Vale ser visto e revisto — sobretudo porque continua ecoando de forma dolorosamente relevante no Brasil e no mundo mesmo após seus 35 anos de lançamento. Um curta onde prendemos a respiração e nos deixa com um gosto amargo na boca, por sua atemporalidade.

Brenda Alves

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Ilha das Flores é daqueles filmes que prendem pela forma e depois tomba pelo conteúdo. O início quase científico, com a narração em cadeia, onde cada definição leva a outra, criando um ritmo frenético, quase engraçado, que contrasta com a brutalidade do tema central: a pobreza extrema. Essa montagem inteligente deixa claro que o curta não quer só informar, mas provocar desconforto.

O impacto vem quando a lógica fria da narração chega ao ponto de comparar seres humanos a porcos. A hierarquia é impiedosa, o tomate rejeitado vai primeiro aos animais, depois às pessoas. É nesse instante que a ironia vira indignação, e eu como espectador pude perceber que a objetividade do filme serve justamente para escancarar o absurdo da desigualdade.

No fim, o filme apresenta a combinação rara entre linguagem criativa e crítica social direta. Um curta de pouco mais de dez minutos que continua atual, porque mostra de maneira implacável como o consumo e a miséria convivem no mesmo sistema.

Alvaro Castelhano
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    O curta de Jorge Furtado, articulado como uma espécie de colagem audiovisual, com cortes bruscos, repetições e justaposições de imagens, coloca a imagem em tensão com o que está sendo narrado, funcionando quase como uma martelada. O diretor brinca com o formato de um manual enciclopédico, só que esse manual desmonta a própria ideia de neutralidade científica e esfrega na nossa cara o absurdo da lógica capitalista a partir de algo tão mundano quanto um tomate.
    Do plantio ao consumo, do lixo ao lixão, até a cena final em que o fruto descartado passa primeiro pelos porcos e só depois por pessoas famintas; o capitalismo consegue a façanha de atribuir mais valor a tal tomate do que a um ser humano. E é aí que o riso inicial, provocado pela lógica exagerada das definições, se converte em desconforto. Não é uma piada, é a realidade, escancarada de forma quase cínica.
    O curta não entrega catarse, nem saída, não nos dá o prazer de acreditar que “entendemos” o problema. Pelo contrário: nos obriga a encarar nossa própria posição dentro dessa cadeia absurda. A denúncia em Ilha das Flores se mantém atual porque a desigualdade não envelhece, ela se renova, sempre mais grotesca.
    Somos forçados a perceber como nos tornamos cúmplices de uma lógica que transforma vidas humanas em resíduos descartáveis. É um curta que provoca riso, choque e reflexão em doses iguais, lembrando que a indignação não é suficiente enquanto o sistema que ele denuncia continua funcionando.

Maria Fernanda B. Cvilikas
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“DEUS NÃO EXISTE”


Assim o “ensaio cinematográfico” de Jorge Furtado de 1989, como define o próprio diretor, abre, uma surpresa inicial, ou para um país cuja a maior parte da população é cristã, pode ser encarada com espanto, mas é uma reação genuína ao que está prestes a ser visto.

Com um tom bem elucidativo, o ator Paulo José serve de narrador para descrever tudo no filme, de maneira didática conecta diferentes conceitos, físicos, biológicos, sociológicos, com algumas pausas para momentos mais dramáticos. Fazendo um ciclo, explica o que é o ser humano e o que faz dele diferente de outros animais como porcos e galinhas, explica como a sociedade funciona, o dinheiro, o lucro, as compras, as vendas. O alimento aqui que foi plantado e vendido no mercado segue uma cadeia de consumidores, o tomate que foi posto nas mãos de uma família de classe média é jogada no lixo, com risco de fazer mau aos filhos daquela família, o lixo é levado por caminhão onde será conduzido para uma ilha dentro de um arquipélago em Porto Alegre, a “Ilha das Flores”, os restos orgânicos de melhor qualidade são separados para os porcos e o que sobra é deixado para mulheres e crianças que pegam para se alimentar, que são seres humanos, mas nesta cadeia estão abaixo de porcos.

É impressionante seu uso de diferentes estilos, misturando realidade e ficção, colagens que lembram Monty Python e cenas que parecem comerciais de tv para produzir um significado, a principal tarefa que o filme traz consigo é de lembrar, de recordar, como mostra em tela: “Recordar é viver”. Mostrando radicalidade nessa função, Jorge Furtado busca entender a sociedade em que vivemos e o sistema posto no mundo, o ser humano que transformou o mundo, que inventou o dinheiro, armas atômicas, os campos de concentração, a igreja que era contrária ao lucro e depois já não o via mais como problema, o ser humano como um ser livre mas que alguns desses mesmos seres humanos são exterminados, ou são aprisionados a viver com o lixo.


Vinicius Lemos Marcílio

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – IBGE. Censo 2022: católicos seguem em queda; evangélicos e sem religião crescem no país. Agência de Notícias – IBGE, 6 jun. 2025. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/43593-censo-2022-catolicos-seguem-em-queda-evangelicos-e-sem-religiao-crescem-no-pais. Acesso em: 26 ago. 2025.

Entre Planos. Por Que Este Curta É Um Clássico do Cinema Brasileiro. 2020. Disponível em: <https://youtu.be/SF6L3ukz9sI?si=z2ivfFX_QLCFks8O >. Acesso em: 26 ago. 2025.

FURTADO, Jorge; ASSIS BRASIL, Giba; AZEVEDO, Ana Luíza. ILHA DAS FLORES, 35 anos depois. Casa de Cinema de Porto Alegre, 13 jul. 2024. Disponível em:https://www.casacinepoa.com.br/blog/2024-07-13-ilha-das-flores-35-anos-depois/. Acesso em: 26 ago. 2025.
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O filme "Ilha das flores", de Jorge Furtado, de 1989, surgiu no período de redemocratização do Brasil e teve forte debate social sobre pobreza. É um filme com uma visão crítica da sociedade atual, ou pelo menos, de uma parte dela.O filme traz a ideia do ser humano como o ser mais “desenvolvido” por conta das características específicas que possuímos. A mensagem que o filme traz causa impacto e comoção aos telespectadores, talvez, por não ser algo habitual da grande maioria metropolitana. A tensão é presente no filme todo, ele nos envolve, faz sentirmos parte daquilo, ele adentra por força própria em nossa mente trazendo um sentimento de dor e tristeza.


É um filme excepcional, ele traz uma mistura de humor com informação que cria uma narrativa, o autor dialoga com uma voz firme e seca, para demonstrar a dor presente no curta. O filme expõe a lógica cruel do capitalismo e que carrega uma mensagem dizendo que enquanto algumas pessoas desperdiçam, outras passam fome.


Ilha das flores é uma obra prima, ele combina de forma inovadora um tema extremamente sensível. Ele traz esse incômodo e reflexão sobre a sociedade atual, mesmo lançado a tanto tempo, sua mensagem ainda é necessária. 

 
Nathan
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O curta “Ilha das flores”, dirigido por Jorge Furtado em 1989, trata de um modo irônico e impactante os trajetos do alimento e de suas condições. Iniciado com uma história do surgimento do tomate, segue uma narrativa intrigante e curiosa, com o objetivo de promover para quem assiste a compreensão dos fatores que diferem os seres humanos - mamíferos, bípedes com o telencéfalo altamente desenvolvido e com polegar opositor - entre si, baseados em seu poder capital. 


Jorge Furtado não entrega sua narrativa apenas pelas imagens e jogo de palavras, mas também com a progressão sonora no decorrer do curta. De uma trilha instrumental neutra e sonoplastia acompanhando palavras-chaves, o diretor termina com um solo agressivo que intensifica a mensagem cruel e real. 


O diretor promove um misto de sentimentos, sendo um deles o desconforto. A agonia de compreender como as dinâmicas sociais se estruturam e se comportam de acordo com a quantia de dinheiro que possui. Tanto Suzuki quanto as crianças e mulheres da ilha das flores possuem um telencéfalo altamente desenvolvido e polegares opositores, porém diferenciam-se pelo espaço que ocupam na sociedade capitalista que vivemos. 


Luciana Pedrazzi 


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